domingo, 29 de setembro de 2013

Um dos Vinhos mais Loucos do Mundo

Espumantes brasileiros - por Rui Falcão 

As notícias que chegam da terrinha, nome popular e afectuoso pelo qual Portugal é carinhosamente conhecido no Brasil, continuam a apresentar-se alarmantes e de mau prenúncio, repletas de profecias de desgraças presentes e de reveses anunciados para um futuro próximo. A esperança é rara ou inexistente e poucos são os que acreditam na tão comentada mas sempre adiada recuperação económica e anímica. O futuro assoma sombrio, envolto em sombras e desconsiderações, enquanto a descrença se instala de forma indelével no espírito dos portugueses.

A conjuntura presente, entre a descida irreal do preço final do vinho e a contracção severa do mercado nacional, acarreta a necessidade absoluta de exportar, de conquistar novos mercados, de alargar horizontes e investir esforços nas economias mais consistentes e com sinais mais ou menos claros de pujança actual e futura. Entre elas, entre os países mais acessíveis e de aposta mais intuitiva para os produtores de vinhos nacionais, encontra-se o Brasil, aquele que é já o nosso quarto maior mercado e onde as relações pessoais e comerciais conseguem ser mais fáceis.

Não se pense que o Brasil representa uma encarnação contemporânea da “árvore das patacas”, um eldorado que resolve de uma só vez os problemas que afligem os produtores portugueses. O Brasil é um mercado difícil e pulverizado em muitos estados, cada um com uma regulamentação autónoma, um país que convive com impostos muito elevados e com uma fiscalidade de compreensão quase impossível. É um mercado gigante, competitivo e aberto onde concorrem produtores provenientes de todos os países produtores do mundo.

Mas é igualmente um país onde os vinhos portugueses têm logo à partida boa aceitação e onde a língua, a história e a afinidade cultural jogam a nosso favor. Por ora o consumo de vinho é muito baixo, o mais baixo de todo o hemisfério ocidental, com um consumo per capita que nem sequer atinge os dois litros por habitante, valores pouco fidedignos, empolados e desvirtuados pelo consumo de vinho de uva americana… e que na realidade expõem um consumo efectivo de cerca de um litro de vinho por habitante. Um valor que dada a pequenez do valor actual só pode aumentar… e que, face aos duzentos milhões de habitantes, cada vez que aumenta reflecte um incremento de muitos milhões de litros de vinho!

Ao contrário de outros mercados internacionais onde o nome Portugal é desconhecido ou sofre de uma conotação negativa, no Brasil não temos de envidar esforços desmesurados para mostrar o país e não temos de gastar recursos infinitos para apagar eventuais más imagens do passado. A par de outros mercados igualmente prioritários, o Brasil deverá ser uma das grandes apostas dos produtores nacionais. Não para escoar vinhos de qualidade duvidosa ou para inundar o mercado com preços muito baixos, solucionando pontualmente os problemas de tesouraria de alguns produtores, mas sim apostando numa distribuição eficaz que avance para além do eterno eixo São Paulo/Rio de Janeiro, as duas cidades onde a maioria dos produtores nacionais concentra a atenção.

Do que poucos se recordam, ou sequer se apercebem, é que o Brasil é igualmente um país produtor, um país onde o vinho é muito mais que uma colecção de rótulos importados. O grosso da produção concentra-se no estado do Rio Grande do Sul, em terra Gaúcha, no extremo sul do país, apesar de a Serra Catarinense, no estado de Santa Catarina, também no sul do Brasil, comece a conquistar um lugar ao sol beneficiando da presença das vinhas em altitude. Uma imensa maioria de portugueses, de resto tal como certamente uma imensa maioria de europeus, diverte-se com a simples ideia de experimentar um vinho brasileiro, desdenhando-os logo à partida, na maioria das vezes sem nunca os ter provado. A maioria zomba da sua qualidade, recusando-se sequer a considerar a possibilidade de o Brasil poder elaborar vinhos de qualidade.

Para ser justo, e salvo as raras e devidas excepções, a maioria dos vinhos brancos e tintos brasileiros são de qualidade mediana ou inferior, raramente cativando ou impressionando pela qualidade e/ou originalidade. O mesmo não se passa com os vinhos espumantes, categoria onde os produtores brasileiros conseguem tirar partido do clima difícil de Bento Gonçalves… onde as maturações nem sempre são fáceis. No mundo dos vinhos espumantes o Brasil dá cartas conseguindo apresentar alguns rótulos de qualidade muito elevada, vinhos que apresentados em prova cega seriam capazes de impressionar e cativar enófilos de qualquer parte do mundo.

Dos muitos vinhos espumantes brasileiros provados, e foram mesmo muitos, destaco três vinícolas que não teria dificuldade em situar entre os grandes produtores de vinhos espumantes do mundo produzidos fora da região francesa de Champagne. São eles os espumantes produzidos por Cave Geisse, Maximo Boschi e Estrelas do Brasil, o último dos quais é um produtor quase de garagem que se orgulha de produzir vinhos alternativos e profundamente excêntricos.

Cave Geisse é o mais conhecido dos três, um produtor enólogo de origem chilena que se mudou para o Brasil como consultor da Chandon e que mais tarde acabou por criar uma empresa própria de vinhos espumantes. Um dos rótulos que mais emociona é o Cave Geisse Blanc de Blancs, elaborado unicamente com a casta Chardonnay, um espumante elegante e profundamente “champanhês” no estilo. A reter igualmente o Cave Geisse Blanc de Noirs e o austero Cave Geisse Terroir Nature. Maximo Boschi apresenta-se num estilo ligeiramente mais oxidado e profundamente clássico no perfil, destacando-se essencialmente pelo rótulo Maximo Boschi Brut Speciale, um espumante que em prova cega poderia ser facilmente confundido com um vinho da região de Champagne.

Por fim o produtor Estrelas do Brasil, uma pequeníssima vinícola que junta um enólogo brasileiro com um uruguaio e que produz alguns dos vinhos espumantes mais loucos do mundo. Numa primeira aproximação poderá até criar um sentimento de rejeição pela excentricidade e pela profusão de desequilíbrios, mas poucos minutos depois o entusiasmo vai crescendo e a soma de desequilíbrios acaba por se transformar em harmonia e sofisticação. Aventure-se nos Estrelas dos Brasil Nature e Nature rosé, dois vinhos espumantes tão invulgares que serão capazes de alimentar a conversa durante um serão inteiro. E ainda há quem diga que não vale a pena perder tempo com os vinhos brasileiros…

Texto publicado originalmente no suplemento Fugas do jornal Público em 18 de Maio de 2013

http://ruifalcao.com/?p=914

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