quarta-feira, 25 de julho de 2012

Mais um pouco de enologia:O enxofre e o vinho.


Poderoso antioxidante conquistou com os tempos modernos algumas inimizades, vindas de uma corrente enológica que busca vinhos 100% naturais. É também devido à sua utilização que vemos as palavras “Contém Sulfitos” ou Contains Sulfites na maioria dos contra rótulos das garrafas no mercado.
Podemos chamar-lhe “súlfur” mas é muito mais conhecido por “enxofre”. 
É um elemento importantíssimo. A Bíblia já fala nele. É usado pelo homem desde o raiar da civilização e hoje, na sua utilização generalizada pela indústria, pode, em função do número de toneladas consumidas, traduzir a saúde económica de uma nação. É um oligoelemento, portanto essencial à manifestação de vida, e no peso total da crosta terrestre cabe-lhe meio ponto percentual.
As apresentações estão feitas. Agora vamos ver o que é que ele faz pelo nosso vinho.
O Enxofre e as Videiras
Fundamental à alimentação da videira, o enxofre é também um dos principais aliados da planta na luta contra os fungos do míldio e em particular do oídio. “Enxofrar” é um termo muito usado pelos viticultores durante a Primavera quando a chuva e humidade aliada às temperaturas amenas oferecem condições óptimas ao desenvolvimento destas doenças criptogâmicas. Contudo o excesso de “enxofradelas” pode conduzir à acidificação do solo e se for aplicado próximo da vindima pode fazer baixar em demasia o potencial redox do vinho resultante, desenvolvendo-se o conhecido “sulfídrico” (cheiro a ovos podres), sempre desagradável e discutido recentemente nos Segredos do Vinho – Redução.
O Enxofre e o Vinho
O dióxido de enxofre mais conhecido por anidrido sulfuroso (vulgo sulfuroso) é a forma mais comum de utilização enológica do elemento enxofre. A sua principal função é de antioxidante mas também possui funções de desinfectante porque é bactericida (em particular) e fungicida (como já vimos) a que se junta uma outra função de solvente de compostos fenólicos presentes na película (aumenta a extracção), melhorador de aroma e afinador de cor.
O anidrido sulfuroso, com a simples fórmula de SO2 é, de longe, o produto enológico mais usado na adega.
Ao ser adicionado ao mosto logo após o esmagamento das uvas o sulfuroso elimina bactérias e as leveduras mais frágeis e indesejáveis permitindo que apenas as melhores estirpes sobrevivam e tomem contra do processo fermentativo que se segue.
Um vez o vinho feito e como o seu estágio e evolução é feito em “redução” (ou ausência de contacto com o oxigénio) o SO2 garantirá as melhores condições de todo este processo em cuba, barrica ou garrafa.
Inimigo do Oxigênio ou da Oxidação? 
Mas a ideia que o SO2 reage rápida e fortemente com o oxigénio dissolvido no mosto ou vinho não é completamente certa. Na verdade o SO2 reage lentamente com o oxigénio. O que ele faz de essencial é ligar-se ao acetaldeído formado na cadeia de oxidação de determinados fenóis (monoméricos) de modo a que não encontremos os aromas e os gostos da oxidação. A oxidação do mosto é sobretudo uma actividade enzimática e o SO2 inibe também a enzimas oxidásicas ou oxidases (tirosinase e lacase), mais presentes em mostos botrytizados, donde que vinhos feitos a partir de uvas podres (com podridão nobre ou cinzenta) necessitam de doses acrescidas de sulfuroso.
Os vinhos brancos necessitam de uma dose maior de SO2 que os tintos visto que estes têm mais compostos fenólicos que são uma defesa natural do vinho contra a oxidação.
Como trabalha o Sulfuroso
Assim que é adicionado ao mosto ou vinho o SO2 combina-se com inúmeros componentes. Acetaldeído (ou etanal) ácidos cetónicos, urónicos, açúcares, moléculas do grupo dicarbonil e antocianas são os principais responsáveis desta intensa e rápida reacção química. 
Entre metade a dois terços do SO2 adicionado ganha a forma combinada o restante fica em estado livre. É uma reacção de equilíbrio e assim que o SO2 livre baixa, parte do SO2 combinado volta ao estado livre para restabelecer o equilíbrio.
No SO2 combinado existe uma parte irreversível (o que se combinou com acetaldeído). Quanto ao SO2 livre a maior parte é relativamente inactiva na sua forma de anião bissulfito (HSO3 -); apenas uma pequena porção de sulfuroso livre, o molecular, se mantém activo.
A eficácia do SO2 livre está dependente do pH do vinho. O vinho é sempre um meio ácido com pHs que se situam normalmente entre o 2,9 e 3,8. Quanto mais baixo for o pH de um vinho menos SO2 total necessita e mais eficaz é o SO2 livre. Para a mesma quantidade de SO2 total, a 3.0 de pH temos 6.06% de SO2 molecular, e a 4 de pH apenas 0.64% de SO2 molecular.
Segundo estudos recentes australianos, para proteger o vinho ou mosto contra a oxidação, a dose mínima de SO2 livre situa-se entre os 10 e os 15mg/litro. Este número depende, obviamente, do tipo de vinho e respectivo pH.
Tirando o Melhor Partido do SO2
Para tirarmos o melhor partido das funções antioxidantes do sulfuroso devemos trabalhar com uvas o mais sãs possível, controlar a turbidez dos mostos ou vinhos através de cuidadosas trasfegas, colagens ou filtragens e preferir adicionar menos vezes e maiores doses de SO2 de cada vez, em particular nos momentos críticos da feitura do vinho: esmagamento das uvas, fim da fermentação maloláctica ou alcoólica (no caso de a maloláctica não se desejar) e engarrafamento. 
Vinhos sem Sulfuroso
Depois de décadas de uso e abuso de aditivos químicos o Mundo parece ter acordado para a realidade “natural” ou ecológica. A cada ano que passa mais pessoas se juntam à nova corrente de produtos ditos limpos ou livres (parcial ou totalmente) de aditivos que contribuam para o seu “melhoramente estético” ou conservação gustativa. 
São já muitos os produtores de vinho que nos mais variados países se recusam a adicionar sulfuroso aos seus vinhos. Garrafeiras cosmopolitas, como a Lavinia, oferecem aos seus clientes várias marcas de vinhos sem sulfuroso. Métodos enológicos somados a uvas perfeitamente sãs e a uma manutenção constante de mostos e vinho a uma temperatura abaixo de 14ºC, permitem a produção deste tipo de vinho, frágil, pouco comerciável, mas completamente “natural”. É uma atitude radical ou mesmo fundamentalista, que tem o mérito de chamar a atenção dos produtores para o assunto, levando a que lentamente as doses totais deste produto sejam diminuídas nos vinhos em geral.
Claro que falamos de vinhos regulamentados e comercializados nas cadeias de distribuição públicas e não nos milhões de litros de vinho para consumo próprio que são feitos anualmente por lavradores por todo o lado onde crescem videiras. Muitos destes sempre foram e continuarão a ser “100% naturais”. Mas a sua qualidade e estado de saúde deixam muito a desejar…
Sulfitos e Saúde 
Sulfitos são sais do ácido sulfuroso (ions com carga negativa que são libertados quando o ácido sulfuroso se dissocia). O ácido sulfuroso forma-se quando o anidrido sulfuroso se liga com as moléculas de água (H2SO3). O termo “sulfitos” inclui os sais formados a partir do sulfuroso livre, do ácido sulfuroso (anidrido sulfuroso hidratado) dos ions de bissulfito e sulfito e outras formas de sulfitos mais complexos. O método de análise quantifica todas as formas de sulfuroso que estão activas em termos de cheiro, efeito bactericida e fungicida, e que são potencialmente perigosas para asmáticos – o único grupo que necessita de ter cuidados com a ingestão de vinhos com sulfuroso. Para as restantes pessoas, as doses autorizadas pelos mais variados países (ver caixa) são tão baixas que não constituem motivo de preocupação.
Porém, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fixou um máximo de consumo diário de SO2 equivalente a 0.7mg/litro por quilo de peso – o que não dá grande margem de manobra. Uma pessoa de 70 quilos terá para a OMS um limite diário de 49mg de ingestão de sulfuroso. Meia garrafa de vinho com 150mg/litro pode fornecer 56mg de SO2.
A maioria dos produtos alimentares contém sulfitos e os frutos secos descascados e embalados são campeões com cerca de 10 vezes mais que o vinho. Mas também se encontram sulfitos em sumos, queijo, marisco, vinagre e muitos outros produtos alimentares.
Um produto milenar
Catio e Plínio já mencionavam o sulfuroso nos seus textos clássicos. Na Alemanha do século XV um decreto regulamenta a sua utilização na desinfecção de barris antes destes receberem vinho. São os Alemães que introduzem esta prática em França e que se vulgariza a partir do século XVIII. Os avanços da química iriam tornar a sua utilização cada vez mais simples e prática. Hoje o anidrido sulfuroso encontra-se disponível em Soluções Sulfurosas a 6%, soluções de Bissulfito de potássio a 15% (com odor menos sufocante que a anterior) e Metabissulfito de potássio que origina 50% do seu peso em SO2.

Limites autorizados de Anidrido Sulfuroso

União Europeia
160mg/litro para vinho tinto (260 mg para os brancos) até 300mg/litro para vinhos doces e 400mg/litro para vinhos com botrytis. 
Austrália
250 mg/litro para vinhos secos e 350mg/litro para vinhos com mais de 35 gr/litro de açúcar residual. 
USA
Semelhante à Austrália. Qualquer vinho com mais de 10mg/litro de SO2 (este número pode ser alcançado naturalmente e sem adição de sulfuroso) deve ter no rótulo “Contains Sulfites”.

FonteTexto de João Afonso
Site : Revista de Vinhos

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