domingo, 5 de agosto de 2012

Reflexões de um comerciante de vinho


"Durante a minha primeira visita a Montefalco, reconheci a sensualidade dos vinhos de Paolo Bea. Nada foi refreado em sua natureza, porque nada foi manipulado. Pode parecer contraditório, mas reflete a lição fundamental de que "menos é mais", ou, em vinicultura,  que a natureza deve fazer o vinho e o homem atuar como seu serviçal -  não seu criador. Eu estava degustando a aspereza selvagem da região. Esses tintos evocaram casacos de pele para mim, como se o odor das criaturas da noite, o coelho e a raposa, estivesse capturado na fragrância dos vinhos. Essa nota de caça, que evocamos como "sauvage"  em francês ou "rustico"  em italiano, é ofensiva para alguns. Para mim é quase sempre essencial. É normalmente a forma como o vinho se conecta à natureza. Ultimamente, reina uma tola obsessão sobre a presença de Brettanomyces, levedura acusada de criar "desagradáveis" aromas secundários  associados a essa qualidade selvagem que acabo de mencionar. Alguns argumentam que essa levedura deveria ser totalmente eliminada, pois interfere na expressão da fruta resultando em vinhos "sujos". Primeiramente, acredito que fruta é apenas um dos aspectos do vinho, e que o vinho, quando é realmente complexo e interessante, retira seus elementos do solo e da atmosfera onde foi gerado, e seus aromas e sabores podem e devem expressar muito mais do que simples fruta. Segundo, "limpar" o vinho eliminando impurezas carece de mérito como objetivo; domesticar a fera  pode garantir conforto e sucesso comercial, porém às custas da perda da espontaneidade, da autenticidade e do senso do extremo. Isso leva a uma uniformização que, no fim das contas, é aborrecedora. Não estou fazendo a apologia dos vinhos defeituosos. Estou dizendo não a essa forma de eugenia do vinho que garante altas produções e cores brilhantes, mas falha ao expressar a essência do lugar, depurando o vinho a ponto de torná-lo monocromático e impondo um padrão de normas que limita as escolhas pessoais.

Estamos em vias de estabelecer esse padrão por meio de uma conspiração entre cientistas, jornalistas, executivos de propaganda e investidores interessados em garantir o sucesso comercial sem riscos. Os vinhos que encontrei na cantina de Paolo Bea fogem desse perfil. Importamos essas feras estranhas e ficamos observando o mercado, que reagiu como a um espetáculo exótico; artistas ciganos que às vezes são divertidos, mas sem espaço na sociedade civilizada. No início dessa importação, comprar um vinho de Paolo Bea era como visitar um bordel, experiência que não se pode sair por aí alardeando para a família e amigos, mas que se costuma compartilhar com as almas gêmeas. Os poucos bravos espíritos que compraram esses vinhos para vender a seus clientes, quer em lojas ou restaurantes (jamais, jamais points da moda), tiveram que amargar a rejeição, quer sob a forma de garrafas devolvidas; quer de criticismo. Kerry e eu bebemo-os tanto quanto os vendemos, compartilhando-os em degustações com colegas no intuito de demonstrar o quão intrigantes são esses vinhos. Existe nesse meio um grupo irredutível, composto por gente emancipada que ri dos padrões do establishment. Vivemos da rebeldia desse grupo. Eu arriscaria dizer que a vida se torna mais interessante e, por que não mais bela, quando resistimos à imposição de regras rígidas e a ditadura daqueles que definem a grandeza de um vinho com uma calculadora, um tubo de ensaio, e um gráfico de pontuação."

Autor : Neal Rosenthal
Tradução : Marco Danielle


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