terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Carta aberta a Silvana Toazza e demais jornalistas que gostam de escrever sobre vinho.(Por Talise Valduga Zanini)

Cara Silvana, 

Lendo sua coluna de hoje no Jornal Pioneiro percebi entre outras coisas, um erro gravíssimo de conjugação verbal. 
“O deputado federal Edinho Bez (PMDB-SC) apresentou na última semana projeto de lei para incluir o vinho entre os produtos que compõem a cesta básica nacional. (...)
A cadeia vitivinícola da Serra, responsável por quase 90% da produção nacional, COMEMORA, pois seria o primeiro passo para a redução de impostos”.
A conjugação correta é COMEMORARIA porque há tempos nós produtores de vinho não temos o que comemorar. Não comemoraremos mais promessas eleitoreiras, projetos de lei que só servem para promoção pessoal de políticos e são simplesmente surreais. Não comemoramos estatísticas manipuladas por quem precisa mostrar serviço nas suas atribuições de promover o mal visto vinho brasileiro. 
Qual a chance desta lei ser aprovada? 0%. Justificativa: o cerco às bebidas alcoólicas dentro do Governo Federal tem ganhado força nos últimos tempos. Encabeçados pela bancada evangélica, existe uma verdadeira campanha contra qualquer mídia ou incentivo para a produção e consumo de bebidas alcoólicas. E num país onde o vinho é tratado exatamente como a cachaça, wisky e demais bebidas quentes, não há boas notícias à vista. Longe, muito longe das realidades européias e até de nossos vizinhos do Mercosul, onde o vinho é um produto cultural, expressão da terra, tratado com políticas governamentais especiais.
É bom lembrar a tentativa encabeçada por Estilac Xavier(PT-RS), aqui no Rio Grande, de classificar o vinho como alimento, aprovada pelos deputados e depois vetada pelo governador Rigotto. Estranho o fato de estando o seu partido agora no poder, o projeto jamais ter sido discutido novamente. 
Aproveito este espaço para sugerir também que antes de noticiar belas estatísticas de crescimento de vinícolas e do setor, a senhora pesquise mais a fundo a verdadeira realidade da vitivinicultura da Serra. A senhora leu no último domingo na Zero Hora a entrevista com Adriano Miolo sobre a situação do setor? Achei extremamente positivo que alguém representante das grandes vinícolas também exponha a farsa sobre as excelentes perspectivas para os vinhos brasileiros. Porque cada vez que um de nós, pequenos vinicultores, abrimos a boca , somos taxados de incompetentes, pouco profissionais e acusados de semear a discórdia no setor. Em consonância, reproduzo também a fala de um grande empresário do agrobusiness gaúcho na coluna de Danilo Ucha, do Jornal do Comércio: “ 
“O setor vinícola brasileiro está estrangulado, amordaçado, enforcado, e todos os investimentos que estavam programados foram suspensos, porque é impossível produzir com a atual carga tributária, com os preços do frete e com a concorrência do vinho estrangeiro, principalmente do Mercosul, que entra sem pagar impostos no País. Esta conclusão é de um dos maiores e mais competentes empresários rurais do País – criador de gado e ovelha, plantador de arroz, soja e outros produtos -, que há alguns anos resolveu plantar uvas e fazer vinhos, com um dos principais investimentos do setor nos últimos anos, Valter José Pötter, da Estância do Vinho Guatambu, de Dom Pedrito. Segundo ele, algumas grandes vinícolas, como Miolo e Casa Valduga (Domno), estão se transformando, também, em importadoras para sobreviver. Está muito mais barato produzir vinho no exterior e importar para o Brasil do que fazer aqui. “Lá fora, a carga tributária é menor, o custo da mão de obra e do frete também, e ainda se obtém isenção de impostos para ingressar o produto no País”, informou.
Acredito que o grande papel de qualquer jornalista ou meio de comunicação é noticiar o que de alguma forma possa suscitar a discussão, abrir caminhos para a solução de problemas, e contribuir com a verdade. 
Não sou contra boas notícias, desde que elas tenham algum fundo de realidade. Uma coisa é certa. Na direção em que estamos trilhando, a vitivinicultura brasileira se encaminha para mais uma crise histórica. Ou mudam as políticas, ou nossos netos lerão nos registros históricos que por 150 anos os brasileiros tentaram fazer vinho, mas a missão tornou-se impossível.

Atenciosamente, 
Talise Valduga Zanini
Proprietária da Vallontano Vinhos Nobres Ltda.

2 comentários:

  1. João, eu li essa carta no Facebook também e realmente me surpreendeu a sinceridade e a eloqüência com que foi escrita. E realmente tem razão!
    Se comparar um vinho argentino ou chileno que se compra no supermercado por R$ 16,00 com um brasileiro que custa mais caro, que consumidor vai querer o brasileiro?
    Se nao há verba ou apoio para marketing, como os produtores de vinho váo poder mostrar que seus vinhos são bons?
    Você fez bem em compartilhar a carta, já que quanto maior a divulgação, melhor para o setor!
    Grande abraço,

    Ale Esteves
    www.damadovinho.com.br

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    1. Caríssima Ale,eu faço o que posso pra ajudar a divulgar o vinho brasileiro ,mas é uma batalha difícil.Um abraço.

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