sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Vale a pena investir em vitivinicultura paulista após tantos anos de desprestígio?

A produção de vinhos, este produto que acompanha a humanidade há 8.000 anos, é considerada arte e ciência: arte para criar o estilo e ciência para repetir a criação. Embora milenar, a vitivinicultura mundial somente deu o "salto" tecnológico na segunda metade do século XX, mais intensamente nas últimas três décadas, desenhando-se o contorno do atual Atlas Mundial com a incorporação das regiões emergentes do Novo Mundo: Califórnia, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Chile e Argentina. Em primeiro lugar, diferentes produtos, estilos, gostos e preços convivem no mercado de vinho sob o nome "vinho". Alguns, de tão valiosos, viraram mais produtos para investidores que consumidores, caso dos Premiers Crus de Bordeaux, safra 2005. Mas é possível a coexistência de vinhos de estilos e níveis de preços absolutamente díspares no mesmo mercado. O Champagne Dom Pérignon – de mais de cem dólares – é sucesso absoluto desde 1936, assim como o espumante rosé Mateus – de quatro dólares no mercado americano – é sucesso desde 1942, no mercado internacional com gerações de consumidores cativos.
   Quanto à tão propalada qualidade do vinho, nesse mar de vinhos, o que seria em síntese? Robert Parker, temido editor do The Wine Advocate, ao ser perguntado sobre as qualidades mais importantes que um bom vinho deve ter, respondeu: "Somente uma: proporcionar prazer para quem bebe. Vinho bom é aquele que você gosta. Simples assim".
  Portanto, há espaço para vários gostos e renda, inclusive para os vinhos de mesa, de videiras americanas e híbridas. Vinhos de mesa que atendam aos requisitos exigidos para a função de um bom vinho, ou seja, de alimentar, saciar, compartilhar, conviver, festejar etc.
 Mark Chien, viticultor formado em Viticultura & Enologia pela prestigiosa Universidade de Califórnia Davis, e consultor em viticultura, no seu artigo In praise of grape diversity, fornece melhor que ninguém a visão de como as uvas americanas e as híbridas podem ter lugar ao sol no mercado de vinhos mesmo num mundo dominado pela Vitis vinifera. No passado, já produtor de delicadas uvas Pinot Noir no Oregon e palato acostumado até então a vinhos finos de Vitis vinifera, quando se mudou para a Pensilvânia teve um rude despertar ao ser confrontado com nome de uvas híbridas como Traminette e Concord. Mas um dia, numa tarde quente de verão, durante um encontro de fim de semana numa vinícola, viu centenas de pessoas divertindo–se com música, comida e vinho e para seu espanto, de vinhos suaves ou semi–secos feitos de uvas da variedade americana ou híbrida. "Mon dieu! Estes vinhos estavam proporcionando tanto prazer quanto qualquer cult wine de Napa Valley Cabernet Sauvignon e por um preço bem melhor. O vinho proporcionava exatamente a experiência que todos nós esperamos – perfeito acompanhamento para uma boa comida, convivência, boa conversa e divertimento. Poderia a experiência deles ter sido melhor se eles estivessem tomando um vinho caro? Seriam essa gente bebendo vinhos simples de uvas híbridas menos que um consumidor de Bordeaux? Eu diria não em ambos os casos" .
   O Jefferson Cup, uma competição de melhores vinhos americanos, comandada por Doug Frost, Master of Wine e Master Sommelier – títulos valorizados e difíceis de obtenção no mundo de vinhos – convida, para o evento de 2008, várias vinícolas americanas consideradas de excelência, entre elas várias especializadas em vinhos de videiras americanas e/ou híbridas. Na edição de 2006, os vinhos que conquistaram o Jefferson Cup com estas uvas são vários, com nomes de uvas como Vidal Blanc, Seyval Blanc – ambos híbrido franco americano – e Concord (híbrido de Vitis labrusca), este último tão caro, também para os produtores brasileiros.
 Se, vale investir em vitivinicultura paulista seja utilizando a delicada Vitis vinifera, ou não, dependerá principalmente da viabilidade econômica. As variáveis econômicas que vão determinar basicamente o sucesso ou o fracasso desse empreendimento são o custo de produção e preço de equilíbrio do produto no mercado, embora os preços dos produtos substitutos ou concorrentes, política de incentivo ou desestímulo, marketing e sistemas de comercialização desloquem os pontos de equilíbrio acima ou abaixo, tornando os investimentos mais ou menos atrativos. A política pública pode influenciar construtivamente para orientar os resultados no sentido do ótimo social e econômico para o produto e região em questão.
 A produção de vinhos, embora considerada tradicionalmente atividade adaptada para latitudes na faixa (aproximada) de 30o a 50o de latitude Norte ou Sul, fala-se hoje em New Latitude Wines, no Brasil – com uvas produzidas no Vale do São Francisco fora dos paralelos ortodoxos para vitivinicultura até então; e também na Tailândia com vinhedos flutuantes. Para contornar os problemas de produção em regiões e latitudes aquém do ideal, novas tecnologias são adaptadas para melhorar a qualidade vinho. Uma delas, recém saída do "forno tecnológico" viabilizou o primeiro vinho fino do cerrado brasileiro – bem longe do paralelo ideal – através da inovação tecnológica chamada "dupla poda", necessária para alteração do ciclo de colheita da uva para uma época do ano em que as condições climáticas fossem mais favoráveis para a qualidade dos vinhos. É fruto da pesquisa desenvolvida pela Epamig. As videiras são podadas no período de janeiro a março e as uvas são colhidas no inverno, época em que o solo seco, associado a dias ensolarados e noites frescas, permitem a colheita de uvas com maturação e sanidade excelentes, dando origem a vinhos de alta qualidade.
 Finalmente, desenvolver um produto, criar uma marca, impulsionar econômica e socialmente uma região exigem esforços de Hércules com a sabedoria de Ceres em toda a linha de criação e produção. Cabe a todos os agentes envolvidos na revitalização da vitivinicultura paulista provar com inteligência e criatividade que o sucesso é possível, em que pese toda a dúvida ou descrédito, caso a sociedade paulista e brasileira como um todo seja beneficiária. Quem sabe, haverá um dia em que um enófilo brasileiro compartilhe as palavras deste entusiasta norte americano: "Adoro Barolo. Adoro um bom Cabernet Sauvignon. Eu posso apreciar um Margaux ou Pauillac, mas nenhum desses vinhos diminui o meu sincero interesse e apreciação pelas uvas nativas americanas ou híbridas de cujos vinhos adoro".

Autor: Ikuyo Kiyuna 

Fonte : http://www.iea.sp.gov.br/out/index.php

       

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